Professor de agronegócio da USP resgata a viola
Instrumento do Brasil rural é valorizado em saraus promovidos em Gonçalves, no sul de Minas Gerais
Decio Zylbersztajn tem formação e experiência consolidadas para ter se tornado um pensador do agronegócio brasileiro. Engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba (SP), ele conquistou títulos acadêmicos em economia – dentro e fora do Brasil – e é um dos coordenadores do Programa de Estudos dos Sistemas Agroindustriais (Pensa), departamento da Universidade de São Paulo (USP) que há 20 anos se propõe a estudar atividades ligadas à economia e à gestão dos negócios rurais do país e do mundo. No entanto, para o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), o universo do campo não é composto apenas por commodities agrícolas, tecnologias e competitividade. Também é povoado de tradições, e a principal, segundo ele, é a viola caipira. “O instrumento é a cara do Brasil”, afirma, categórico.
Zuba, para os que lhe são íntimos, tem ligação há pelo menos três décadas com o rural mais prosaico, que não passa pela economia de mercado, quando decidiu comprar o Sítio Pedra Preta, em Gonçalves, cidadezinha encravada na Serra da Mantiqueira, no sul de Minas Gerais. Na época, o conforto morava longe da propriedade de oito hectares – não havia luz elétrica nem água encanada –, situada em um dos pontos mais altos do município. Foi tudo sendo construído aos poucos, a casa, a instalação de comodidades, o viveiro de orquídeas, uma pequena horta, os livros sendo levados de São Paulo para lá, até que o sítio se tornasse a segunda morada da família. É ali que ele e a mulher, Rosmarie, professora aposentada de ética e matemática, descobriram que tinham vocação para violeiros. “Por que a viola? Porque é ela quem te chama”, explica Decio.
Há cinco anos, os dois se propuseram a estudar esse que foi o primeiro instrumento de cordas trazido de Portugal pelos jesuítas para auxiliar no processo de catequização dos índios no início da colonização brasileira. Mas a dedicação obstinada levou a dupla para longe dos planos iniciais. Eles participaram da Orquestra Paulista de Viola, tocaram no programa Viola, minha viola, de Inezita Barroso, de quem são fãs confessos, e gravaram o CD Vereda violeira, que será lançado no segundo semestre de 2011. “Ficou sério”, brinca Rose, como costuma ser chamada. No entanto, o casal percebeu que sua descoberta musical não era recebida com tanta euforia pelos amigos mineiros. “A viola ficou escondida em Gonçalves por muito tempo”, contam. Para eles, os jovens tinham vergonha do instrumento e de toda a cultura caipira que ele representa. “Os mais velhos não tinham para quem tocar”, avalia Decio. Por essa razão, o professor decidiu que faria mais pela viola caipira do que simplesmente cultivar sua própria devoção a ela. Há um ano ele inaugurou o Sarau de Viola e Poesia de Gonçalves, que abriga violeiros de todos os cantos. O evento acontece a cada dois meses, sempre aos sábados e por duas horas (exatamente das 17h às 19h), no pequeno clube recreativo da cidade.
Decio Zylbersztajn já recebeu músicos de vários estados, gente interessada em se apresentar para uma plateia fã desse instrumento – feito por artesãos chamados de luthiers com muito requinte para atender ao mais exigente dos músicos. Aos poucos, o concerto foi ganhando fama e lotando a sala, como aconteceu na apresentação da Orquestrinha São Francisco Xavier, cidade vizinha de Gonçalves, no mês passado. Cerca de 70 pessoas compareceram para prestigiar o grupo, formado por 11 crianças de 9 a 14 anos de idade, estudantes de escolas públicas do município. Os músicos mirins são regidos por Braz da Viola, violeiro renomado que mantém firme o propósito de formar novos talentos. “É mais um parceiro que encontrei pelo caminho”, comenta Decio. Nos saraus também tem espaço para poesia e causos relacionados ao folclore nacional. Ele se orgulha de ver a casa lotada e composta de público diverso – produtores rurais, empresários que mantêm casa na cidade para fins de semana, turistas e quem mais se interessar.
Ele já não se surpreende mais com o espanto de seus alunos quando descobrem que o professor é violeiro. “Respondo que o ser humano não é formado apenas por uma identidade”, diz. Desde cedo, Decio aprendeu a transitar por mundos diferentes. Escolheu a agronomia como profissão mesmo sem vínculos rurais. Os pais, imigrantes poloneses, eram donos de confecção no bairro do Bom Retiro, no centro de São Paulo. Tornou-se um estudioso do agronegócio, mas enxerga na pequena propriedade a parceria fundamental para a produção agrícola de escala industrial. E tem certeza absoluta que é o único judeu devoto de São Gonçalo, o santo padroeiro dos violeiros do Brasil.
Fonte: Globo Rural